segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A poesia é meu grito

Como é difícil pôr em palavras
toda opressão que sentimos na alma!
Como caber em estrofes e versos
a humilhação que faz de nós o resto?

Minha arte é expressão da experiência direta
de tudo aquilo que socialmente me afeta.
Se flores e justiça à minha volta não há
não posso a beleza do mundo declamar.

Possuo guardada muita matéria bruta
saída dos fornos da diária luta.
Realidade dura que sofro pra lapidar,
revolta e indignação em poesia transformar.

Sonho com um mundo sem ricos e pobres
em que a minha poesia seria só hobby,
expressão elevada do meu livre espírito,
mas hoje a poesia é da alma o meu grito.


(Erick Amancio)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Poema em “Quarto do despejo” (1960)

(Carolina Maria de Jesus)

Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Quando a Poesia é Feita de Ego

Quando estou triste
não gosto de fazer poesia,
porque a dor persiste
e aumenta mais a agonia.

Se estiver muito feliz
não me meto a poeta,
palavra e forma não traduz,
prefiro andar de bicicleta.

Gosto de escrever no limbo
da revolta ou do tédio,
pois chorando ou sorrindo
a poesia é só meu ego.

(Mas agora escrevo triste pra ver se a dor aumenta,
quero ver se ela inventa um jeito novo de doer,
e se o sofrimento insiste mesmo posto em palavras
é porque ele existe no espelho que me vê).

(Erick Amancio)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A casa do Povo

Comemore cidadão
Você está abrigado
Desde a revolução dos franceses
Tu tem seus direitos assegurados

Agradeça cidadão
Tu não é mais escravizado
Tu trabalha com condição
Agora é um assalariado

Não reclame cidadão
Agora tens lugar na política
Desde os tempos da revolução
Existe assembleia legislativa

Participe cidadão
O seu voto é sagrado
Mas não questione a ação
Apenas sinta-se representado

Por que reclama cidadão
Do teu trabalho alienado?
Você trabalha pra burro sim
Mas tem direitos assegurados

Tome cuidado cidadão
Não reclame do que lhe foi dado
Se tu nem lembra em quem votou
É porque do trabalho está ocupado


Já basta cidadão
Não se meta a revoltado
Se a casa do povo não é mais sua
É porque tu votou errado

Que história é essa cidadão
De que agora não é mais alienado?
Agora você irá pra prisão
O policiamento será redobrado

(Erick Amancio)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Botão de Flor

se até numa terra
destruída pela guerra
entre escombros e pedras
nasce um botão de flor,
por que não deveria
minha poesia
nascer da revolta
do ódio
e da dor?

(Erick Amancio)

domingo, 22 de novembro de 2015

Olorum Ekê

(Solano Trindade)

Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu sou poeta do povo
Olorum Ekê 
A minha bandeira
É de cor de sangue
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Da cor da revolução
Olorum Ekê 
Meus avós foram escravos
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu ainda escravo sou
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Os meus filhos não serão
Olorum Ekê
Olorum Ekê

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Impotência

Dei cabo da minha vida
pra modificar a minha essência,
condenando quem abriu a ferida,
transformei a dor em evidência.

A que ponto eu cheguei
tentando recomeçar:
bem no ponto de partida
me vi depois de tanto andar.

E nadando contra a corrente
mas parado no mesmo lugar,
me cansei de tanto esforço
só pra enchente não me levar.

Sem conseguir ir para frente
afoguei-me em desgosto,
mas a calmaria ausente
moldou em mim um novo rosto.

A impotência nesse mundo
limitou a luta em mim,
mas desistir é absurdo,
então faço do meio o meu fim.


(Erick Amancio)

domingo, 15 de novembro de 2015

Não Questione

Eis aqui a questão:
o trabalho engrandece ao homem
ou a quem ao homem consome
explorando até a exaustão?

A quem deus mais ajuda?
Quem cedo madruga
ou quem nasceu sem precisar
pra sobreviver madrugar?

Pra que serve tanta labuta
seguindo a ordem dada,
se no final dessa luta
morremos sempre sem nada?

Quando foi o fim da escravidão,
se hoje, como aquela gente,
trabalhamos sempre somente
pra conseguir o teto e o pão?

̶  Oh cidadão, não te esquece: o trabalho engrandece!
  Eu entendo o motivo da luta, mas deus ajuda quem cedo madruga!
  Por que a revolta? Não faça isso, o protesto deve ser pacífico!

(Erick Amancio)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Mapas de asfalto

(Michel Yakini)

há tempos que o céu
das beiradas
acorda cinzento

as pedras ficam intactas
endurecendo vidas
pelas esquinas

a esperança passa
como ventania
pelas ladeiras

e o asfalto grita
denunciando
mentiras vencidas

são heranças de uma
cidade açoitada
em silêncio

nos mocambos de hoje
germina a resistência
do amanhã

em cada quintal
um trançado
autoestima se firma

no olhar da mulecada
vejo uma trilhas
sedenta de história

é batuque,
rodeando as intenções,
cravando horizontes

grafitando nos
muros, poemas
da nossa virada

declamando ação,
sacudindo vozes

e na espreita das ruas
ecoam as rimas
num versar ritmado de
redenção!

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Amor e Ócio


passo a boca pelos dois tons

                   da sua pele preta

passo os dedos pelos seus cachos

                   ajeitados antes em vão

passamos o dia assim deitados

                  e lá fora passam as horas

alheias ao passo do nosso amor


(Erick Amancio)

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Manguevibe

corpo cansado
mente anestesiada
ainda de embriaguez 
entre pontes e ladeiras
os problemas tão distantes
tudo o que sufoca, castra
limita meu eu em um ser
social

ser quem nem sei que sou
quem não posso ser
quem dizem que devo ser
o que devo fazer
tão distante no tempo
como o carnaval do ano que vem
tão perto no espaço
que presto testemunho em poesia
saindo de um coração confuso
que sente a hora da mudança
de curso

um rio e suas curvas desviando
já que a pedra 
sempre esteve no meio do caminho
estática (mas não eterna)
como tantas certezas
e ciências (muletas)
que chamamos verdades
rochas tão fortes
mas que num tempo maior do que nós
o vento corrói
devagarzinho

mas por hora
maracatu, frevo, afoxé
ciranda, coco, baião
xero de voinha
macaxeira, girimum
começar com oxe e terminar com visse
saudades dos novos amores
saudades dos velhos amigos

(Erick Amancio)

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Apartheid Semanal

A zona sul está encharcada do suor do favelado.
Nas calçadas,
nas privadas,
atrás dos balcões.

Só não venha suar na minha praia!
No domingo fica na sua casa.
Volta na segunda
e vê se não atrasa!

Branco segue, preto desce...
A situação é de vulnerabilidade social
e o motivo é não ter um real,
camisa nem documento.
Pro prefeito o problema não é social,
é falta de policiamento.

Cansado de ser rato
numa sociedade de gatos gordos,
o filho da empregada.
Repudiado pelo cidadão de bem
por buscar com as armas que tem
o dinheiro que a mãe não ganhou
passando a roupa da madame
que vai à praia domingo.

Ela não sobreviveria um só dia
dentro da periferia
com o seu moralismo,
mas sem os seus privilégios.


(Erick Amancio)

Transporte Público

O enjoo na barriga que dá
Pelas horas no busão a passar
Da janela passa a zona norte
E quem passa, entregue a própria sorte

Deu na TV
Que o BRT
Quando
Inaugurado
Iria resolver
Mas sem
Espaço
Pra mover
O braço
Seguimos
Como gado
Pagando
Pra ver

A onda agora é acabar com as linhas
Da periferia pra zona gourmet
Porque elas fazem o trabalho social
De mostrar o marginal
Que a elite não quer ver


(Erick Amancio)

Poema Inútil

A poesia sem serventia
Que agora exijo que saia
Por entorpecentes embalada
Por poemas de amigos inspirada
Banalizada quanto às formalidades
Sem métrica nem rima
Mexida e revirada
Cortada e costurada

Ridicularizada pela pobreza
Humilhada pela impotência
Diante da problemática sem fim
Da manutenção do privilégio
À custa da exclusão
Garantida pela opressão

Poema marginal
A ponto de quase nem existir
Paralisada e pronta pra nunca ser lida
Por quem sofre e trabalha
Por quem trabalha sofrendo

Diminuída por não saber-se
Entre escolas e tradições
Desnorteada
Desnordesteada
Em carioquês gritada:
Morta poesia!
Pela dor de cada dia...

Que sufoca e vira a roda
Dos meus prazeres e dores vigentes
Mas na cidade a escorrer desumanidade
Maquiada pela falseabilidade
Do discurso de ordem, ódio e paz
Viro a roda novamente
Sedento pela poesia que sai espremida
Mas ainda assim sai

Inútil, mas poesia
E não volta atrás
Inscreve no tempo
A história de um delírio
Extravasado em palavra e forma
De mim para o eu amanhã

O que determina uma mente sã?
Seguir o fluxo mediocremente
Escrever somente relatórios
Nunca poesia


(Erick Amancio)

domingo, 18 de outubro de 2015

Punho Cerrado

Neguin é isso, neguin é aquilo...
Pejoratividade tem a quilo.
Cabelo tem do bom e tem do ruim.
Penteia esse cabelo neguin!
A princesa assinou e tudo mudou,
Mas ainda não se vê preto doutor.
Mudou-se a história pro lado de lá,
Calou-se o grito de quem nunca pôde falar.
Falou-se até que não tinha resistência
E que o quilombo entrou em decadência.
Teve discurso de conciliador:
Casa grande e senzala, relação de amor.
E agora bater tambor e usar turbante
É coisa de gente interessante.
É cool branco falar de racismo:
Não se vitimize preto amigo!
Mas vejo onde isso pode parar.
Dessa cultura tão rica querem se apropriar.
Se a voz desse povo não for ouvida,
Se o sangue não parar de sair da ferida,
Se o punho cerrado não se levantar,
O passado nunca nos deixará!


(Erick Amancio)

Apresentação

Eis um lugar a mais para inscrever no espaço e no tempo a poesia que tem germinado em mim. Poesia semeada pela crítica aos valores, regada pela desconstrução ideológica, e brotada pela necessidade vital de gritar a urgência de mudança. Sobre amor também escrevo, mas não abro mão de fazer arte com revolta, firmada no conflito, na contradição, na luta, no grito contra quem nos cala. Arte marginal. Radicalmente em discordância com o conservadorismo e a opressão, que se dá na violenta tentativa de fazer da realidade um monólito inerte, onde a exploração não encontra resistência, onde não há lugar para o múltiplo, onde não há lugar para o horizontal. Sigo, como disse a ciência de Chico, "sempre certo na contramão".