segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Apartheid Semanal

A zona sul está encharcada do suor do favelado.
Nas calçadas,
nas privadas,
atrás dos balcões.

Só não venha suar na minha praia!
No domingo fica na sua casa.
Volta na segunda
e vê se não atrasa!

Branco segue, preto desce...
A situação é de vulnerabilidade social
e o motivo é não ter um real,
camisa nem documento.
Pro prefeito o problema não é social,
é falta de policiamento.

Cansado de ser rato
numa sociedade de gatos gordos,
o filho da empregada.
Repudiado pelo cidadão de bem
por buscar com as armas que tem
o dinheiro que a mãe não ganhou
passando a roupa da madame
que vai à praia domingo.

Ela não sobreviveria um só dia
dentro da periferia
com o seu moralismo,
mas sem os seus privilégios.


(Erick Amancio)

Transporte Público

O enjoo na barriga que dá
Pelas horas no busão a passar
Da janela passa a zona norte
E quem passa, entregue a própria sorte

Deu na TV
Que o BRT
Quando
Inaugurado
Iria resolver
Mas sem
Espaço
Pra mover
O braço
Seguimos
Como gado
Pagando
Pra ver

A onda agora é acabar com as linhas
Da periferia pra zona gourmet
Porque elas fazem o trabalho social
De mostrar o marginal
Que a elite não quer ver


(Erick Amancio)

Poema Inútil

A poesia sem serventia
Que agora exijo que saia
Por entorpecentes embalada
Por poemas de amigos inspirada
Banalizada quanto às formalidades
Sem métrica nem rima
Mexida e revirada
Cortada e costurada

Ridicularizada pela pobreza
Humilhada pela impotência
Diante da problemática sem fim
Da manutenção do privilégio
À custa da exclusão
Garantida pela opressão

Poema marginal
A ponto de quase nem existir
Paralisada e pronta pra nunca ser lida
Por quem sofre e trabalha
Por quem trabalha sofrendo

Diminuída por não saber-se
Entre escolas e tradições
Desnorteada
Desnordesteada
Em carioquês gritada:
Morta poesia!
Pela dor de cada dia...

Que sufoca e vira a roda
Dos meus prazeres e dores vigentes
Mas na cidade a escorrer desumanidade
Maquiada pela falseabilidade
Do discurso de ordem, ódio e paz
Viro a roda novamente
Sedento pela poesia que sai espremida
Mas ainda assim sai

Inútil, mas poesia
E não volta atrás
Inscreve no tempo
A história de um delírio
Extravasado em palavra e forma
De mim para o eu amanhã

O que determina uma mente sã?
Seguir o fluxo mediocremente
Escrever somente relatórios
Nunca poesia


(Erick Amancio)

domingo, 18 de outubro de 2015

Punho Cerrado

Neguin é isso, neguin é aquilo...
Pejoratividade tem a quilo.
Cabelo tem do bom e tem do ruim.
Penteia esse cabelo neguin!
A princesa assinou e tudo mudou,
Mas ainda não se vê preto doutor.
Mudou-se a história pro lado de lá,
Calou-se o grito de quem nunca pôde falar.
Falou-se até que não tinha resistência
E que o quilombo entrou em decadência.
Teve discurso de conciliador:
Casa grande e senzala, relação de amor.
E agora bater tambor e usar turbante
É coisa de gente interessante.
É cool branco falar de racismo:
Não se vitimize preto amigo!
Mas vejo onde isso pode parar.
Dessa cultura tão rica querem se apropriar.
Se a voz desse povo não for ouvida,
Se o sangue não parar de sair da ferida,
Se o punho cerrado não se levantar,
O passado nunca nos deixará!


(Erick Amancio)

Apresentação

Eis um lugar a mais para inscrever no espaço e no tempo a poesia que tem germinado em mim. Poesia semeada pela crítica aos valores, regada pela desconstrução ideológica, e brotada pela necessidade vital de gritar a urgência de mudança. Sobre amor também escrevo, mas não abro mão de fazer arte com revolta, firmada no conflito, na contradição, na luta, no grito contra quem nos cala. Arte marginal. Radicalmente em discordância com o conservadorismo e a opressão, que se dá na violenta tentativa de fazer da realidade um monólito inerte, onde a exploração não encontra resistência, onde não há lugar para o múltiplo, onde não há lugar para o horizontal. Sigo, como disse a ciência de Chico, "sempre certo na contramão".

Certo na Contramão

Fiquei na mão
Nesse contrato
Trato contra
Quem com as mãos
Trabalha certo

Estou certo
Contra quem
Ditando a mão certa
Nos trata como trapo
Por estar na contramão


(Erick Amancio)